Baker, Chet : Memórias Perdidas



“Ninguém acreditaria", são as palavras de Chet Baker quando certa vez em um documentário fora perguntado do porquê que nunca escrevera as histórias de sua vida. Em 1997, sem importar-se com a credibilidade ou com os resíduos chocantes de suas vivências, é lançado Memórias Perdidas, livro onde Baker revive seus demônios que surgem em formas de anotações que compõe a obra.

São em torno de 120 páginas onde o trompetista de West Coast (Yale, Oklahoma) descreve causos desde seu primeiro contato com a música, convivência com ícones como Charlie Parker, Stan Getz e Ella Fitzgerald, o ingresso na banda militar aos 16 anos e até as incansáveis reinvestidas na heroína, droga conhecida da Era do Jazz. Baker mostrava um estilo à parte, entre tantos trompetistas do mesmo período, e apesar de não ter finalizado a universidade de música e de seu professor tê-lo dito que jamais seria um bom músico, revelou-se um dos maiores músicos do gênero logo no seu primeiro CD (Gerry Mulligan Featuring Chet Baker – 1952/53).



“Penetrando na escuridão do clube, vi Bird voando no céu de blues. Fiquei sentado olhando o redor(...) fiquei sem graça e muito nervoso quando ele perguntou se eu estava no clube e poderia tocar alguma coisa com ele, ele tinha pulado todos aqueles caras alguns com mais experiências capazes de ler qualquer coisa. Tocamos dois temas (...) depois de 'Cheryl' ele anunciou que a sessão estava encerrada “, conta quando foi escolhido em uma audição para se apresentar na turnê com a banda de Charlie Parker.


Let's Get Lost



O que impressiona na narrativa simplória e direta é a naturalidade com a qual o trompetista, que parece ter incorporado sua própria obra Let´s Get Lost, conta o ocorrido. Entre diversas paixões intensas, mulheres que trocam de hora para hora com importância emocional, grandes distâncias de tempo, instalações nos presídios por porte de droga e em clínicas de tratamento para viciados, Baker sempre sobreviveu da música e impressionava a todos não importando em qual lugar do mundo estava, se levava consigo a melodia cristalina de seu trompete.

O escritor Luís Fernando Veríssimo, escreveu na última edição do prefácio de A Era do Jazz (Hobsbawn,Eric .São Paulo: Paz e Terra, 2008), que é difícil escapar do melodrama que se faz em cima do Jazz, principalmente dos clichês românticos feitos em cima de suas figuras mais ilustres. Baker em sua prosa confirmou alguns desses clichês, ao narrar os atrevimentos de seus colegas coma droga e a genialidade de uma geração. Porém, sendo ele mesmo branco em meio a uma bandeira erguida por oprimidos, carregava nele próprio a contradição. Baker incorporou a vida para sugar a sua música e virou acometido pela sua sede por ela como outros de suas geração, como o escritos Scott Fitzgerald e o saxofonista Charlie Parker.


Cartaz do Documentário feito por Bruce Weber, lançado em 1988

A necessidade de buscar sua paz na heroína, nunca afetou suas composições. Chet Baker gravou ainda em 1986 Cool Cat, onde consagra seu estilo infreável e superior.Dois anos depois, seu mistério em vida resulta em lenda, quando cai da janela do segundo andar de um hotel Holandês.


Dados Técnicos: Baker,Chet.Memórias Perdidas.Rio de Janeiro:Jorge Zahar Editores,2002.


Fellini e o circo


Falar dos filmes do diretor italiano Federico Fellini é possível somente com a ausência dos pontos finais. Seus filmes não se bastam em palavras, tanto é sabido que ausentava-se do uso dessas, chegando até a desprezar o roteiro pelo tom limitador no processo de criação e de gerar sensação. Fellini faz filmes exclamativos que não são o fim em si, pois tem continuidade no seu espectador. Dentre sua cinebiografia recheada de contornos pessoais, a combinação da arte circense com as artes expressas pelo cinema geram um fascínio perceptível em seus trabalhos.

Nascido em 1920 em Rimini na Itália, Fellini teve como pais fílmicos os diretores Rosselini e Adelio Lattuada, e família cinematográfica-afetiva, Giulietta Masina (atriz e sua mulher até o fim da sua vida), Marcello Mastroianni (ator), Nino Rotta (músico), Tonino Guerra (roteirista). Com esses, gerou clássicos como A Estrada da Vida de 1954, e Os Palhaços de 1971. Nos dois os malabares da vida, as mágicas e trapalhadas tanto do circo como da existência em si atuam como tijolos para estas obras.

Fellini era cartunista, roteirista, jornalista, diretor, por fim um apaixonado. Dentre suas paixões caricaturais, o interesse e admiração pelo mundo paralelo das tendas coloridas, lutadoras ao real, sempre o acompanhou dizem desde pequeno. Contam as lendas sem boca de origem, que pelos 10 anos de idade o diretor fugiu com o circo Pierino quando esses passava pela sua cidade, sendo achado mais tarde já fora dos limites do seu principado. A fascinação e a curiosidade do bambino,é semelhante à primeira cena de Os Palhaços, onde um menino da mesma idade observa vestido de pijamas e deslumbre, a chegada do circo na cidade.

Os Palhaços é um filme que trafega com a ficção e a realidade ao mesmo tem que dialoga com as memórias do diretor, dos apaixonados e personagens da história circense. De forma delicadamente engraçada e triste, faz gerar um sorriso dúbio pelo encanto das imagens e cenas dos números artísticos mas também de lamentação pelo crescente fim dessas. O futuro do circo e seu ilustre fazedor, o palhaço, é posto em reflexão como também da arte e da tradição. O próprio Fellini aparece como o próprio, um diretor que procura descobrir o passado e o futuro dessa arte, e o faz através de entrevistas com os mais célebres pertencentes da sua era de ouro, grandes palhaços italianos e franceses.

Além de nos trazer os bastidores através de entrevistas com especialistas nos trás os bastidores do próprio filme e seu processo mostrando o diretor e sua equipe investigando a possível morte dos palhaços, ao mesmo tempo que fora das tendas do circo, as palhaçadas humanas perpetuam sem maquiagem.

Os estandes do real e do imaginário e a necessidade de ambos, são sempre trazidos no filme, como a cena que o menino do inicio do filme compara os personagens do circo aos personagens de sua cidade, entre eles, uma mulher que sabe de cor todos discursos de Mussolinni e um velho que acha que a 1º Guerra Mundial não acabou. Parece que para Fellini, sair de casa já é ir ao circo.

Uma cena que ilustra bem o caráter dessa película felliniana é a que o próprio pergunta a um taxista se ele conhece um famoso palhaço, e esse responde que "não tem tempo para essas coisas", coisas absurdas ao ver do carrancudo motorista e sua época de cada vez menos sonho e mais sono.

Fellini dizia que seus filmes eram um pouco de realidade da realidade. Talvez os sonhos sejam a realidade mais ocorrível humana. É dele também o pensamento que relaciona o circo com a arte dos filmes: “Os filmes são o circo com a exatez de precisão e improvisação”, dizia o grande.

Foram tantos os retratos feitos pelos sentidos do europeu, os personagens exóticos de famílias excêntricas no corpo de tantas cidades dentro de uma só, que a impressão tida é que Fellini retratou não só o circo dentro do picadeiro, como também, o humano fora de todas as suas tendas.

Lembrando o bruto que chora e livra-se das correntes em A Estrada da Vida, e o bon vivant interpretado por Mastroianni em A Doce Vida, Federico – o grande mentiroso como se defini – parece nos deixar um recado com grafia simples e leitura difícil: "Palhaço" mesmo é quem vive sem sentir e improvisar. Mas o homem que também só viver assim, pode fazer da sua vida um grande circo, não no melhor sentido.


NATHALIA RECH