O poeta do nada




Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá (MT). Ali começava a história de uma vida de insignificâncias. Sua família construíra uma fazenda no pantanal, desde então, Manoel aprendeu, ou melhor, desaprendeu tudo o que precisava durante as suas longas conversas com as árvores, com os riachos e com os pássaros. Ainda criança, arquitetava os poemas em seus pensamentos. Era a forma de comunicar-se com a natureza que ali existia.

Em suas Memórias Inventadas, o poeta, logo na primeira página, ataca o leitor com a sua filosofia mais iconoclasta. A frase vem sem o aconchego dos desenhos, sem parágrafo para acalmar a lógica. É uma pintura com letras que distorcem, lentamente, o papel.


“Tudo o que não invento é falso”


Um leitor desavisado, que esperava um romance narcisista, típico das autobiografias, defronta-se com um paradoxo conceitual: Existe, de fato, o passado (memórias), mesmo que baseado em fantasias?

Manoel de Barros afirma que sim. Inclusive, vai mais longe. O poeta explica que o fato que não teve a companhia da alma, no momento presente, não é verdadeiro. Aquilo que não foi importante para nós é mentira. Partindo do princípio que a importância sentimental dos fatos é, invariavelmente, concebida pela pisque humana, toda verdade (manoelina) é posta como invenção.

Essa filosofia funciona como o cerne de toda poética de Manoel de Barros. Dessa maneira, o poeta cria, na mesma proporção que destrói a língua brasileira. Propõe em seus livros a linguagem das árvores e o silêncio das pedras. Utiliza-se de metáforas como:

“Ouço o tamanho oblíquo de uma folha”

“Na voz ia nascendo uma árvore”

Manoel de Barros cria, em meio à solidão humana do pantanal, um elo transcendental entre a sua infância e os elementos que faziam parte dela. Através da humanização das coisas, procura inventar aos poucos personagens para povoar o quintal de casa.

Apesar da sua intensa produção ao longo de toda vida, Manoel de Barros, guiado pelo seu tímido sorriso enrugado, nunca se esforçou para ter seu nome difundido nas estantes do país. Parece que carregou o silêncio das árvores para dentro de sua boca. Se Manoel de Barros não tinha interesse em compartilhar suas idéias, felizmente elas acabaram agindo por conta própria.


Millôr Fernandes foi o grande descobridor desse tesouro que permaneceu durante 60 anos à margem da cultura literária do país. Em decorrência das excessivas citações e homenagens prestadas pelo jornalista, a obra de Manoel finalmente abandonou as gavetas de seu “local de ser inútil” (escritório do poeta) para invadir correndo as prateleiras da história. Desde então, os escritos de Manoel têm conquistado pessoas e prêmios ao redor do mundo. Atualmente é o escritor de poesia que mais vende no Brasil.

A fama e o dinheiro não parecem fazer cócegas no espírito do Poeta. Manoel segue desfrutando de uma vida calma com sua esposa e com a poesia de lápis.

Manoel de Barros é poeta em tempo integral. Começa a prática ao amanhecer da boca dos peixes e ao entardecer da grama cortada. Manoel, com seus escritos, abandona a vida concreta para celebrar o que ainda não existe. Sendo assim a própria poesia em existência e revolução.

Um militante da vida que suplica:

“Muita coisa se poderia fazer em favor da poesia:

1-Esfregar pedras na paisagem.

2-Esconder-se por trás das palavras para mostrar-se.

3-Perguntar distraído: - O que há de você na água? ”


LORENZO GALARÇA

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