A Paixão Selvagem (Je t’aime moi non plus)


Je t’aime moi non plus é um filme do diretor Serge Gainsbourg, lançado em 1976. Sim, isso mesmo, diretor. A ideia também não é tão surpreendente. Gainsbourg era um artista no seu estado natural, a procura de vias estuárias para sua expressão. Quem conhece sua obra, sabe como é impossível classificá-lo, dado aos seus experimentalismo e aventurismos musicais. A saber, quando petit, o menino sonhava em ser artista plástico, chegando até a estudar artes , função na qual se dava muito bem. A música veio pela necessidade de ganhar dinheiro, e o dom, veio de família. Seu pai era pianista e desde cedo o ensinava (o termo melhor seria obrigava) a ser um músico exemplar. O que cedo lhe causou uma certa repulsão, o talhou mais tarde como esse conhecidíssimo, e por que não dizer genial, artista europeu.

Voltaremos ao filme. Je t’aime moi non plus a saber é o nome da sua música mais famosa, gravada com Brigitte Bardot e Jane Birkin. A última, foi sua mulher e atriz no filme com mesmo nome. Birkin, figura de peso na vida do artista, era uma atriz inglesa, que já tinha tido uma certa visibilidade com sua atuação em Blow Up (Depois daquele beijo), filme do diretor Michelangelo Antonioni de 1966. Com ela que Gainsbourg teve sua única filha, a atriz e também cantora, Charlotte Gainsbourg.





Quando lançado o filme, gerou-se um estado de polêmica impressionante, que abalou muito o casal. A saber, Jane que era uma atriz em ascendência, ficou anos sem ter um bom trabalho, e Serge, se encontrou arrasado imageticamente. Fazer esse filme era um desejo longo dele, sendo pensado e repensado exaustivamente. O roteiro, a fotografia, cada plano é notavelmente diferenciado, tendo um estudo gaisbourgniano por trás, tanto é, que podemos dizer que o corpo físico do filme é tão elaborado que chama mais atenção que a construção de seus personagens. Temos a impressão de um intenso planejamento. Cada cena é vista como um quadro, (no sentido plástico e não cinematográfico) onde a composição dos objetos às vezes desrealça o sentimento em jogo.


Resumindo, A Paixão Selvagem é a história de um caminhoneiro, cujo nome é Krassky (Joe Dallesandro), que trabalha descarregando lixo em um aterro, em uma paisagem árida, vazia e desesperadora. Junto dele está Padovan (Hugues Quester). A relação entre ambos se extende além do trabalho, os dois estão dividindo uma intensa paixão um pelo outro. Fortes e recheados de elementos machistas, Padovan é a fotocópia de um ser sem razão, enquanto Krassky, possui o poder das situações. O espectador se divide entre onde está o amor entre esses homens, ou como esses seres brutos e descontrolados podem ter tal sentimento, e a necessidade do sexo somente. A relação entre os dois muda quando eles entram em uma lancheria à beira de estrada. Lá Krassky é atendido por uma figura dúbia e imcompreensível, Johnny (Jane Birkin). Ela é a garçonete que vai fazer a ligação entre os dois homens se distanciar.

Birkin está litaralmente vestida de meninho. Cabelo curto, olhos caídos, calça jeans e a ausência de sutiãs intrigam Krassky que imediatamente se torna obsessivo por ela, mas pelo que ela aparenta, ou seja, sua masculinidade. Começam então a ter vários encontros virtuosos.

O filme a partir daí, se resumi ao seus momentos sexuais, onde Krassky a trata como um homem, sempre a possuindo pelo sexo anal, no qual ela apesar de sofrer, entende pelo amor que sente por ele, que ao seu ver, é a única chance de salvação em meio aquele deserto de impossibilidades interiorano.


Sr. Gainsourg não conhece a manteiga?


Quando lançado, além de gerar um tumulto de ojeriza pelos seus personagens controversos, suas cenas impactantes, um dos críticos chegou a comentar a seguinte frase: "O sr. Gainsbourg não sabe que existe a manteiga?". A expressão é uma referência ao filme O Útimo Tango em Paris, em que Marlon Brando e Maria Schneider usam a manteiga como lubrificante nas cenas de amor do filme. O desastre cinematográfico só provou o quanto avante e iconoclasta Gainsbourg era, a ponto de perceber todo falso liberalismo que os anos pós-68/69 pregavam mas não nos seus limites. As suas visões das posssibilidades e amar e se relacionar não se enquadravam no seu tempo e talvez nem sejem aturados no nosso.

Paixão Selvagem continua sendo uma obra a frente da nossa visão atual, difícil de compreender numa anormalidade que é recepcionada como agressão justamente pela nossa falta de capacidade de lidar com o tema que ele propõe. É possivel para alguns espectadores que o peso das suas cenas só existam com o intuito de chocar o físico, de mostrar pura promiscuidades. Mas o que o diretor/artista plástico/músico nos mostra é que ainda não estamos prontos para qualquer tipo de empatia e possiblidades do amor, de explorar as barreiras humanas. É incrível como uma história aparentemente simplista pode desmenbrar nosso tabuleiro social. A respeito das escolhas estéticas de Serge, é uma pena que esse seja seu único filme. Seu conhecimento artistico colaborou muito para o seu domínio da linguaem cinematográfica. Não diria que é uma película genial, mas é necessário e incrível vindo do terreno de onde veio.


Curiosidades

Em uma entrevista para TV no mesmo ano do lançamento do filme, Truffaut disse quando estava no ar: "Nem se incomodem de ir ver meu filme. Vão ver o do mounsier Gainsbourg, esse sim é uma obra de arte". Foi uma bandeira salva-vida, uma das poucas críticas positivas no período.

Charlotte, a filha do cantor, viu o filme recentemente e declamou que foi uma das coisas mais lindas que já viu. Afirma também, ter chorado muito.

A obra é dedicada ao trompetista Boris Viran, amigo de Gainsbourg e conhecido no círculo existencialista de Montparnasse onde circulavam Juliette Gréco, Sartre, Beauvoir....

Recentemente foi lançado um filme sobre a carreira do cantor. Se chama La vie Heroïque. Feito pela Universal, mostra pinçadas de sua vida, sempre fumando seus inconfundíveis Gitanes e na companhia de mulheres bonitas como Gréco, Bardot, Birkin, Anna Karina (que não aparece no filme mas merece ser mencionada aqui), entre outras. A obra teatralizada parece uma destruição de humanidade do artista para elevação de ícone pop, exaltando mais seu teor cafageste e malandro do que a fidelidade de seu roteiro de vida.

Tirando o fato de não ter conseguido ver o filme até o final, com certos espamos de irritação, o filme vale pela maquiagem. Não está tão ruim assim.


NATHALIA RECH

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